Nesta quinta-feira, 8 de março, países do mundo todo celebram o Dia Internacional da Mulher, data que simboliza a busca pela igualdade entre homens e mulheres. A data é percebida por muitos como um momento festivo, no qual se distribuem flores e mensagens que ressaltam a importância da mulher na sociedade. Mas neste 8 de março, nós, mulheres brasileiras, não temos muito a celebrar. Os dados divulgados pelo Monitor da Violência, parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o Brasil permanece como uma das nações mais violentas do mundo para as mulheres.
As estatísticas levantadas pelo G1 mostram que 4.473 mulheres foram vítimas de homicídio em 2017, um crescimento de 6,5% em relação a 2016, quando 4.201 mulheres foram assassinadas. Isso significa que uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, taxa de 4,3 mortes para cada grupo de 100 mil pessoas do sexo feminino. Para que o leitor tenha ideia do que isso representa, se considerarmos o último relatório da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocuparia a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres de um total de 83 países.
O levantamento também inclui dados sobre feminicídios e revela que foram registrados 946 casos no país ano passado, aumento de 16,5% em relação a 2016. Neste caso, o aumento é uma notícia positiva, pois indica que os estados estão se empenhando em aprimorar os registros deste crime. Mas é evidente que ainda há subnotificação.
O feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, motivado geralmente por ódio ou desprezo. A Lei do Feminicídio (13.104 de 2015) foi sancionada há apenas três anos no Brasil, o que serve de explicação para o reduzido registro de casos nesta categoria. Como as estatísticas de mortes são produzidas a partir dos boletins de ocorrência lavrados pela Polícia Civil, muitas vezes o registro inicial é de homicídio e a classificação como feminicídio só será possível após encerradas as investigações, exigindo dos setores responsáveis pela produção de estatísticas a retificação destes casos.
Além disso, mudanças legislativas como a que a lei 13.104 introduziu exigem a formação e sensibilização de policiais e operadores do sistema de justiça criminal para que sejam capazes de diferenciar um homicídio comum de um feminicídio. Para tanto, a ONU Mulheres desenvolveu um documento para auxiliar o processo de formação destes profissionais, intitulado “Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres (feminicídios)”. Nele, estão contidos aspectos essenciais para inclusão da perspectiva de gênero na investigação criminal e orientações para aprimorar o trabalho dos diferentes atores envolvidos como policiais, peritos e promotores.
Maridos ou companheiros
Como o Brasil ainda não conta com um sistema nacional de estatísticas criminais que monitore periodicamente o fenômeno, pesquisadores têm se debruçado em informações produzidas pelo sistema de saúde para ampliar a compreensão sobre estes casos. E se considerarmos os últimos dados de mortes por agressão do sistema de saúde verificamos que 50% das vítimas de homicídio do sexo feminino no Brasil são mortas por parentes, dos quais 33% são os maridos ou companheiros. Sob este critério, é de se esperar que ao menos 2.200 mulheres tenham sido vítimas de feminicídios íntimos no ano passado.
O estado que apresentou a maior taxa de feminicídios foi o Mato Grosso, com 4,6 mortes para cada 100 mil mulheres, seguido do Acre, com taxa de 3,2, e do Espírito Santo, com taxa de 2,0. Mas como ressaltado, os registros de feminicídio ainda são precários e vale também observamos a taxa de mortalidade de todos os homicídios de mulheres nos estados. Sob esta análise, o cenário é ainda mais grave porque 14 dos 25 estados que enviaram dados apresentaram taxa superior à média nacional. O pior cenário registrado foi no Rio Grande do Norte, com 8,4 mortes para cada 100 mil mulheres, seguido do Acre, com taxa de 8,3, e na terceira posição Espírito Santo e Pará, com 6,7 mortes para cada 100 mil mulheres cada um.
O rescimento nos homicídios de mulheres preocupa e evidencia a incapacidade do Estado brasileiro, em suas diferentes esferas e poderes, de interromper a violência de gênero no país. Nesse contexto, o feminicídio coloca-se como tragédia anunciada, mas também como uma oportunidade de tirar o tema da invisibilidade. O feminicídio é o desfecho trágico de uma trajetória de dor, violência e sofrimento. Um crime cruel que afeta as mulheres de todas as idades e classes sociais pelo simples fato de serem mulheres. E que pode ser evitado.
Por isso, o dia 8 de março que se aproxima e todos os outros dias do ano deviam ser dias de luta e enfrentamento às pequenas violências cotidianas tão incorporadas em nossa sociedade: desde o menosprezo a capacidades das mulheres até as diferenças salariais, do assédio sexual no espaço público até o assédio moral no ambiente de trabalho, das pequenas violências simbólicas à violência física.
Deixemos para celebrar o dia em que nenhuma mulher for assassinada apenas por ser mulher.
Samira Bueno é diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Juliana Martins é pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
fonte G1