Peritos criminais são acionados para analisar manchas de ketchup
Uma equipe da Polícia Científica de São Paulo foi acionada para analisar manchas de ketchup em uma área comum de um condomínio residencial na capital paulista, em meados de setembro.
De acordo com o boletim de ocorrência registrado no 42º Distrito Policial (Parque São Lucas), o síndico de um condomínio, após ser alertado por moradores sobre a presença de “sangue” nas escadas do Bloco B, solicitou a presença da polícia. Policiais foram ao local e, após uma breve investigação, não encontraram indícios de crime.
Mesmo sem evidências de qualquer ato criminoso, a perícia foi acionada para analisar as manchas, em um claro desvio de função e desperdício de recursos públicos. O laudo pericial, emitido pelo Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica, confirmou o que o senso comum já apontava: as manchas não eram de sangue humano, e sim, provavelmente, de ketchup ou outro condimento similar.
A situação expõe uma preocupante desconexão entre os procedimentos policiais e a legislação vigente. A Portaria SPTC 73/2022 determina que a perícia criminal só pode ser acionada em casos com indícios de crime. Requisições desprovidas de natureza criminal devem ser recusadas, a menos que seja comprovado o vínculo com uma ocorrência criminal. “E é aí que começa o problema. Sem a total autonomia da perícia criminal, os peritos temem enfrentar problemas administrativos caso se recusem a atender casos que não sejam de natureza criminal. Isso acontece porque não há uma corregedoria própria para a Polícia Científica”, comenta o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP), Bruno Lazzari.
O caso levanta um debate urgente sobre o uso racional da máquina pública. Afinal, enquanto a perícia criminal se ocupava de analisar manchas de molho de tomate, quantos laudos e exames demoraram mais tempo para serem elaborados por falta de equipes disponíveis? “É preciso fazer cumprir o que determinam as normas e a lei e isso pode garantir, por exemplo, que a máquina pública funcione de maneira eficiente e responsável, priorizando o combate à criminalidade e a segurança da população. Afinal, ketchup não é caso de polícia”, completa Lazzari.